Líder da Rede Anbima diz que desafio da COP-30 no Brasil será trazer ‘resultados práticos’
Uma década depois da criação da Agenda 2030 pela ONU, visando definir um plano de ação global para o desenvolvimento sustentável, já é possível fazer um balanço da iniciativa.
Especialista em sustentabilidade, comunicação e investimento social privado e primeira mulher brasileira reconhecida como SDG Pioneer – Pioneira para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – pelo Pacto Global da ONU em 2016, a conselheira de administração, palestrante e escritora Sonia Consiglio disse que é preciso “acelerar o ritmo” da agenda ambiental.
Líder da Rede Anbima de Sustentabilidade e membro do Comitê Consultivo do Movimento Elas Lideram 2030 do Pacto Global da ONU no Brasil, do Conselho Consultivo da BrazilFoundation, Sonia também afirmou que o discurso anti-ESG do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, traz impactos, mas lembrou: “Todo lugar vazio acaba sendo ocupado. Protagonistas atuais tendem a ganhar mais espaço e novos atores podem surgir.”
A seguir, trechos da entrevista.
Dez anos depois do estabelecimento da Agenda 2030, em que ritmo está a adesão às práticas ESG no Brasil e que avaliação faz dos resultados obtidos até o momento?
Costumo dizer que tudo o que fizermos em matéria de sustentabilidade será em menor velocidade e menos intensidade do que o necessário, porque os desafios são enormes. Feita essa consideração, a avaliação é, sem dúvida, positiva. E nós não começamos agora. Dois exemplos: a nossa Bolsa foi a primeira do mundo a aderir ao Pacto Global da ONU, em 2004; fomos o quarto país a lançar um índice de sustentabilidade, o ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial), em 2005. Esta ferramenta permite acompanhar e incentivar condutas sustentáveis por parte das companhias, bem como destacar aquelas que buscam se alinhar e tornar os investimentos em ESG mais atrativos. Vindo para o presente, o Brasil foi o primeiro país do mundo a anunciar a adesão ao ISSB (International Sustainability Standards Board), que propõe um padrão global de transparência de informações ESG em balanços financeiros. Isso foi em 2023, por meio da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), e será regra a partir de 2027. Não existe hoje uma iniciativa internacional nessa agenda em que não haja brasileiros participando ou liderando. Mas vale frisar: precisamos acelerar o ritmo. E não só aqui, é globalmente.

Quais os setores da economia nacional mais aderentes a essas práticas e quais as mais resistentes a elas?
Alcançamos um nível de compreensão e maturidade em relação às questões ambientais e sociais tal que me arrisco a dizer que não há setores à margem dessa discussão. Entretanto, aqueles cujas atividades têm impactos ambientais diretos, como as mineradoras e as siderúrgicas, ou os mais regulados, como o de energia, são atuantes há muito tempo pela própria conexão com o negócio. O setor financeiro também desempenha um papel crucial, por ser intermediador e viabilizador do mercado. Quando concedem um empréstimo, por exemplo, as instituições financeiras são corresponsáveis nas consequências da aplicação desse recurso. Todos os elos estão conectados e hoje temos essa noção, o que não era comum há 10, 20 anos.
Internamente, investidores e consumidores fazem as mesmas demandas às empresas em termos de ESG? Ambos olham na mesma direção?
Esses públicos miram o mesmo horizonte, mas com realidades diferentes. O investidor tem um olhar sobre o retorno, o risco; ele quer que seu recurso seja aplicado da melhor forma possível. E é importante que se diga: essa “melhor forma” inclui os aspectos ESG, mas não apenas os econômicos. Então, os investidores mais conscientes cobram das empresas e consideram na sua tomada de decisão as estratégias em descarbonização, direitos humanos, atração e retenção de talentos, etc.
No mundo quais os temas ESG mais urgentes no presente momento e como eles reverberam no Brasil?
Levando em conta o último Relatório de Riscos Globais do Fórum Econômico Mundial, os cinco temas mais urgentes no curto prazo, isto é, nos próximos dois anos são: desinformação (fake news), eventos climáticos extremos, conflitos armados, polarização e cibersegurança. Eu acrescento direitos humanos, inteligência artificial e biodiversidade como tópicos aos quais devemos ficar atentos. Todos esses assuntos, no fim, estão interligados e têm efeitos mundiais. E o Brasil é impactado em maior ou menor grau por todos eles.
Que futuro enxerga para a COP-30 e o protagonismo brasileiro em relação à governança climática global à luz do modo do presidente dos EUA, Donald Trump, de governar?
O Brasil tem historicamente um papel de destaque nas negociações mundiais de clima. Sediamos em 1992 a Rio 92, onde foi estabelecido um pacto para o meio ambiente equivalente à Declaração dos Direitos Humanos. Em 2012, foi a vez da Rio+20, onde nasceram os ODS, Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. A COP-30 é uma nova oportunidade de demonstrarmos nosso comprometimento e capacidade de articulação e influência. Mas a tarefa, que já era hercúlea, se tornou ainda mais desafiadora pelo cenário desenhado após a eleição do presidente americano Donald Trump. Digo que a tarefa é hercúlea porque há muitos assuntos na mesa que requeiram resultados mais arrojados do que os que foram alcançados até aqui, como, por exemplo, o financiamento climático a países vulneráveis. Um dos apelidos dessa conferência (no Brasil) é “COP da Implementação”. Espero que ela faça jus a ele e que de fato tenhamos resultados práticos. Torço também para que os problemas de infraestrutura, como o valor irreal das hospedagens em Belém, sejam equalizados para que possamos receber nossos visitantes da forma mais respeitosa possível.
Na sua opinião, o discurso anti-ESG de Donald Trump pode representar um obstáculo para a agenda de desenvolvimento sustentável?
Não há como negar que essa narrativa trará impactos, justamente quando precisamos avançar tanto. Digo que o momento é de observar e absorver tudo o que está sendo anunciado. Mas não será o fim do mundo. Acredito que haverá um rearranjo no xadrez mundial, pois todo lugar vazio acaba sendo ocupado. Protagonistas atuais tendem a ganhar mais espaço e novos atores podem surgir. O importante é termos em mente que o que for relevante para os negócios, para os governos e para as pessoas, seguirá. Investir numa economia de baixo carbono, que promova igualdade de oportunidades e estimule sociedades justas e éticas não é um discurso poético. Essas agendas representam riscos, mas são também ótimas oportunidades de abertura de mercados e diferenciação. A sustentabilidade é uma pauta estratégica, de valor agregado e competitividade, por isso independe de momentos. Como quem trabalha há mais de duas décadas nessa área, minha frase atualmente é: Nunca foi fácil. Mas sempre foi possível.
Fonte: Estadão