Em um mundo que acabou de ultrapassar o limite de 1,5ºC na temperatura média global, não é aceitável que discussões sobre abrir uma nova fronteira de exploração de petróleo em uma região tão importante como a Amazônia sejam sequestradas por interesses políticos.
O Greenpeace Brasil acompanha com extrema preocupação as disputas de narrativas políticas envolvendo a Bacia da Foz do Amazonas e os planos de se explorar petróleo na região. Além de colocarem em xeque a credibilidade e competência de órgãos importantes, como o Ibama, e confundirem a opinião pública ao afirmar que trata-se apenas de uma “fase de pesquisa”, tais polêmicas desviam a atenção para a falta de um plano concreto e eficiente sobre transição energética no Brasil.
“Investir tempo e recursos para explorar petróleo na Bacia da Foz do Amazonas não é avanço, conforme tem sido prometido, mas é sabotar o nosso próprio futuro. O desenvolvimento do Brasil já deveria estar baseado em uma matriz energética renovável, na economia circular, no melhor aproveitamento dos recursos naturais e na potencialização das economias e atividades sustentáveis que já existem nos territórios amazônicos. A ‘lenga-lenga’ das discussões que estamos assistindo sobre a Foz do Amazonas é um verdadeiro desserviço para o que realmente importa: como vamos abandonar os fósseis e caminhar rumo a uma transição energética justa? Ainda não temos essa resposta”, diz o porta-voz de Transição Energética do Greenpeace Brasil, Rárisson Sampaio.
O valor bilionário já gasto pela Petrobras para as fases anteriores à exploração na Bacia da Foz do Amazonas, assim como a previsão de investimentos da estatal de mais de 3 bilhões de dólares a serem gastos até 2028 para a perfuração de 16 poços na região (valor previsto no Plano Estratégico da Petrobras 2024-2028), poderiam ser direcionados ao desenvolvimento de comunidades e cadeias produtivas locais do Amapá e Pará, por exemplo, impulsionando soluções para reduzir as desigualdades na Amazônia e na preservação do bioma.
Novas fronteiras exploratórias de petróleo e gás natural não devem ser a estratégia de investimento da Petrobras e do governo federal, considerando o cenário de declínio na economia global do petróleo para os próximos anos e as metas do Acordo de Paris, de limitar o aquecimento global a 1,5º C – algo que o mundo já ultrapassou em 2024, mas que ainda pode ser revertido.
“Para garantir um futuro possível e saudável precisamos impulsionar as ações em direção a uma transição energética justa, e isso inclui a descarbonização da matriz energética do país. Nesse sentido, a Petrobras deve continuar tendo um papel fundamental, já que é uma estatal com capital e capacidade técnica para ser protagonista desse processo. Porém, para isso, ela precisa se tornar uma empresa de energia, com olhar para uma matriz mais limpa”, afirma Sampaio.
Polêmicas sobre o papel do Ibama e a fase de pesquisa
Ainda sobre as recentes declarações a respeito de quem decide sobre a exploração de combustíveis fósseis na Bacia da Foz do Amazonas, o Greenpeace Brasil reforça que todas as atividades com potencial impacto negativo ao meio ambiente, independentemente da empresa que as conduz, devem ser submetidas ao processo de licenciamento ambiental.
Conforme prevê a Política Nacional de Meio Ambiente, esse processo é conduzido por órgãos e entidades ambientais competentes, sendo o Ibama o responsável pelas análises em âmbito federal. Mais que isso, a avaliação de impacto ambiental é exigência constitucional, com fundamento no art. 225, IV, da Constituição Federal do Brasil.
“O Ibama não é um ente consultivo que opina sobre as intenções políticas do governo em exercício. Trata-se de um órgão técnico, autônomo, que considera critérios objetivos, independentemente de qual seja o governo ou empresa interessada. O Ibama precisa ser forte e eficiente para resguardar a sociedade brasileira e o meio ambiente”, esclarece Sampaio.
Qualquer empresa pode solicitar licenciamento para suas operações, mas a decisão cabe ao órgão licenciador competente, dependendo da localização do projeto. No caso de projetos de exploração de petróleo na Foz do Amazonas, a competência é do Ibama.
Muito se tem falado também sobre a realização de pesquisas na Bacia da Foz do Amazonas, como uma forma de amenizar a percepção pública sobre a exploração da área. Contudo, o Greenpeace esclarece que a atividade de pesquisa é a primeira forma de perfuração, na qual já incidem todos os riscos e potenciais danos apontados pelo Ibama.
“O termo ‘pesquisa’, que tem sido usado no contexto da Foz do Amazonas, já significa a realização de perfurações na área. Portanto, por um sentido lógico, a fase de pesquisa não deveria ser autorizada enquanto não for atestada a viabilidade ambiental da atividade. E atualmente, a orientação e a avaliação científica é clara: a Petrobras não apresenta elementos que comprovem a viabilidade socioambiental do empreendimento, mesmo que em fase de pesquisa e pré-exploratória”, explica Sampaio.
Leilão de novos blocos
Existem mais de duzentos blocos na Bacia da Foz do Amazonas. O bloco 59 (FZA-M-59), foco da Petrobras atualmente, é somente um deles, mas as decisões e parâmetros tomados neste processo servirão de base para blocos similares ofertados na região da Margem Equatorial, e uma avalanche de exploração poderá invadir a costa amazônica. Sem entendermos com precisão para onde o óleo poderá se espalhar, é impossível realizar uma avaliação ambiental adequada.
Recentemente, a Agência Nacional de Petróleo incluiu 47 novos blocos para leilão.
“A inclusão de 47 blocos exploratórios da Foz do Amazonas no 5º Ciclo da Oferta Permanente de Concessão da ANP ilustra como o bloco 59 é um caso emblemático para a exploração de petróleo na região. A eventual autorização para perfurações nessa área, liderada pela Petrobras, tenta trazer a reboque a falsa legitimação da viabilidade técnica para abertura de novos projetos, algo que já foi negado anteriormente para empresas como a Total. Além disso, acrescenta-se mais uma camada de pressão política à tentativa do governo em subverter uma decisão técnica do Ibama, reforçando a pretensão de emplacar a exploração de petróleo na Foz do Amazonas”, pontua Sampaio.
Derramamento contaminaria regiões costeiras nacionais e de países da Pan-Amazônia
A região da Margem Equatorial é marcada pelo interesse de extração de combustíveis fósseis há anos. Esta área abriga um massivo sistema recifal de relevante importância ecológica para o Oceano Atlântico e de importância socioambiental para as comunidades locais do Amapá e Pará. Evidências científicas indicam que não há viabilidade para uma operação desta natureza e que o princípio da precaução deveria ser empregado em qualquer processo de licenciamento nesta região. Ainda assim, inúmeras empresas avançam com projetos inconsistentes e ameaçadores à sociobiodiversidade.
Em 2018, o Ibama negou licença de exploração de blocos de petróleo na Foz do Amazonas para a empresa francesa Total Energies. Em maio de 2023, o Ibama negou a licença para a Petrobras após esta adquirir o Bloco BFA-M-59 da empresa britânica BP Petroleum.
Em abril de 2024, o Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá (IEPA), com apoio do Greenpeace Brasil, conduziu um estudo para mapear as correntes marinhas da Bacia da Foz do Amazonas e apontaram os riscos associados a essa atividade: a apuração concluiu que um eventual derramamento de óleo na região contaminaria centenas de quilômetros de mares de regiões costeiras nacionais e de países da Pan-Amazônia, impactando de maneira drástica tanto a vida marinha quanto a população costeira. Confira o estudo completo aqui.
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